A sopa da avó




Este fim de semana fiz a minha estreia num festival de sopas. Sou grande apreciadora de sopa e, tendo surgido a oportunidade de ajudar um grupo de jovens escuteiros a angariar dinheiro para uma atividade, optámos por dedicar o jantar de sábado às sopas. A característica de um festival de sopas é que por um preço fixo podemo-nos lambuzar com todas as sopas que quisermos e conseguirmos, é uma oportunidade para nos enchermos de comida sem culpas…isto se não nos limitarmos à sopa da pedra e afins.

Mal entrámos no salão fomos recebidos por um mar de gente, aparentemente seremos muitos a gostar de sopa, os suficientes para que em Portugal uma gigante cadeia de fast food tenha sopa no menu e que haja empresas de restauração que se dedicam quase exclusivamente à confeção e venda de sopa. Num balcão com cerca de 6 metros de comprimento estavam as várias panelas de tamanho industrial com as mais variadas sopas, devidamente catalogadas. O difícil seria mesmo conseguir chegar próximo e escolher perante tão variadas e deliciosas opções.

Passei a sopa da pedra, mas comecei logo à farta com uma substancial sopa de feijão, isto porque não reparei na sopa à lavrador, uma das minhas favoritas. A tacinha de barro ficou vazia num instante, estava deliciosa. Como não conseguiria comer de todas as sopas optei por experimentar as mais originais e que não constam dos meus habituais menus. Assim, segui para a sopa de almeirão que se carateriza pelo seu sabor amargo, mas que, apesar do seu baixo valor calórico, o que é sempre uma vantagem a considerar, é muito nutritivo e saudável. Continuei com uma apetitosa e bem condimentada sopa de peixe e pensei ficar-me por aqui, mas não resisti a provar também uma sopa de legumes de aspeto maravilhoso. Se o aspeto era bom o sabor foi ainda melhor. A sopa estava divinal, cremosa e equilibrada de legumes e sabia mesmo à sopa que a minha avó fazia. Tinha aquele sabor especial e caraterístico que guardamos nas memórias da nossa infância e que é atribuído exclusivamente às sopas das avós.

Por muito boas cozinheiras que as nossas mães sejam, a suas sopas nunca terão aquele lugar de destaque nas memórias gastronómicas que a sopa da avó tem. Seja porque associamos esses momentos de refeição a momentos de agradável convívio familiar com alguém muito querido, seja porque, não sendo diários, esses momentos automaticamente entram na categoria de preciosidade dos momentos especiais, seja porque efetivamente as mãos das avós, com a experiência aguçada ao longo dos anos, conseguem tornar a sopa um prato de excelência que proporciona elevado prazer gastronómico.

Pela mesma razão as sopas que faço não têm especial aceitação por parte dos meus filhos. Comem-nas com mais ou menos prazer, mas sempre com a resignação de quem aceita que precisa daquela dose de legumes diários. A grande vantagem da minha mãe é que também é avó e como tal a sua sopa de cenoura já ganhou um lugar especial nas memórias gastronómicas dos meus filhos, reservado às sopas das avós, lugar também garantido pela canja de galinha da minha sogra.

A sopa da avó mais do que o sabor e os nutrientes, transporta no seu caldo o amor com que foi feita, é como se comêssemos às colheradas uma boa dose de legumes recheados com sabedoria, compreensão, serenidade, cumplicidade e todo o amor que uma avó sente pelo neto.

Curiosamente, apesar de nitidamente ter sentido o sabor a sopa da avó, não consegui distinguir com precisão se tinha o paladar da sopa da minha avó materna ou da sopa da minha avó paterna, distintos um do outro. Senti o sabor das duas, diferentes, mas os dois estavam lá. Uma colherada evocava mais a minha avó materna, mas a colherada seguinte já me sugeria a minha avó paterna. Essa diferença e riqueza de sabores, tão extraordinariamente bem conjugados, proporcionaram que essa sopa tão deliciosa seja por mim considerada o expoente máximo da sopa da avó. Uma sopa que me fez evocar as minhas duas avós e sentir todo o carinho com que cozinhavam para nós, todo o amor que nos deram e todas as saudades que sinto.

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