Consulta




Cheguei ao hospital trinta minutos antes da hora da consulta, fui de autocarro, de carro seria difícil, o trânsito dentro do recinto do hospital estava parado, a confusão de sempre. A escassez de estacionamento e a necessidade de transporte de muitos doentes até à entrada do edifício provocam o caos e o desespero de muitos, ao ponto de buzinarem, indiferentes à circunstância de estarem junto a um hospital. Entrei no piso -1, a zona dos elevadores estava cheia de gente, subi até ao piso 3 pelas escadas.

Após dar entrada no secretariado da consulta dirigi-me à sala de espera para aí aguardar a minha vez. Na realidade a sala de espera é um corredor onde colocaram 6 cadeiras brancas de plástico. Tendo em conta que me tinha sido atribuído o número 27, dá para perceber que muitos de nós tivemos de esperar de pé, encostados a uma parede. Ao lado, no hall de distribuição das várias alas em torno dos elevadores, um espaço ainda mais escuro e movimentado, há mais cadeiras, mas também essas estavam ocupadas. O espaço estava quente, tirei o casaco. Com a mala a tiracolo, o casaco e o chapéu-de-chuva presos num braço, peguei no livro, levo sempre um livro para as consultas, e arranjei uma posição minimamente confortável para ler, em pé, encostada à parede. Abri o livro na página marcada e reposicionei-me por baixo da lâmpada do corredor na esperança de conseguir melhor luminosidade. A luz amarela, embaçada, obrigava os olhos a um esforço doloroso para focar as letras que pareciam querer fugir daquele espaço escuro e feio e encontrar a luz límpida, oceânica, dos Açores, onde decorre a ação do livro. Paciência, teria de ler assim mesmo, os olhos acabariam por se adaptar, nem pensar passar duas horas a olhar para a parede ou para o telemóvel.

Para além da luz do espaço ser francamente má para quem pretende ocupar o tempo de espera a ler, todo o espaço é desagradável. As cores variam entre o verde desmaiado das paredes do corredor, em oposição ao castanho dos mosaicos das paredes do hall, o avermelhado do chão e aquela cor das guardas das paredes e do teto que não é creme, não chega a ser castanho, nem é ocre, é cor de leite com um pingo de café. Para me abstrair do espaço concentrei-me no livro e transportei-me até ao Faial, às suas praias de areia preta, vulcânica, ao Peter Café, à marina com as embarcações e os seu paredões com pinturas fantásticas e à imagem do Pico, imponente, rasgando as nuvens sobre o azul do mar. A brisa marítima não foi suficiente para suavizar o ambiente que permanecia quente e sobrelotado. Os que estávamos encostados à parede tínhamos constantemente de sair para deixar passar as macas que atravessavam o corredor. A leitura alternava com mudanças de posicionamento constantes o que ajudava a desentorpecer as pernas e a reagir à dormência dos braços. Levantava os olhos do livro e observava o movimento permanente no hall e corredor: médicos, enfermeiros e auxiliares atravessando os espaços, delegados de informação interpelando os médicos em passagem, doentes e familiares, macas, cadeiras de rodas…

Passadas cerca de duas horas o corredor ficou mais livre, o atendimento prioritário dos utentes em cadeira de rodas foi finalmente concluído e os restantes utentes foram rapidamente atendidos.  As cadeiras iam ficando disponíveis e o corredor livre. Sentei-me finalmente. Continuei a ler e, confortável e distraída, nem dei pelo passar do tempo. Fui chamada, seria a penúltima utente daquela manhã, já a hora do almoço ia avançada. Estava tudo bem e saí animada, descendo novamente pelas escadas até ao piso da saída, apesar de os elevadores estarem agora livres. Atravessei os jardins e corri para o autocarro. Com o estômago a gemer de fome agradeci a saúde e o sol brilhante no céu azul, faltava apenas o mar para que o dia pudesse ser perfeito! 

Sonhos




Há tempos perguntei à minha filha se se lembrava dos seus sonhos. Eu não sonho, respondeu, apenas me lembro dos pesadelos! Estranho, pensei, tanto a minha mãe como eu sempre fomos muito férteis no que diz respeito a sonhos. Alguns sonhos da minha mãe adquirem mesmo contornos premonitórios. Eu não chego a tanto, não tenho essa capacidade extrassensorial de transportar para os sonhos acontecimentos futuros ou presentes, mas considero que tenho um subconsciente riquíssimo, como suponho todos devemos ter, e uma imaginação que me permitem colocar em sonhos, dos quais me lembro depois de acordar, acontecimentos e imagens perfeitamente espetaculares.

Em jeito de brincadeira costumo catalogar os meus sonhos por categorias: os sonhos recorrentes, os normais de todos os dias e os extraordinários.

Os sonhos recorrentes são aqueles cujo tema surge com frequência nos meus sonhos. Nunca são iguais, mas o guião anda sempre à volta do mesmo assunto, mudando por vezes os cenários. Claro que a personagem principal sou sempre eu. Exemplo destes sonhos recorrentes são aqueles em que como bolos e chocolates sem parar, em que encontro dinheiro, em que preciso urgentemente de ir à casa de banho, mas onde as casas de banho nunca têm portas, sonhos em que voo ou corro sem sair do lugar e sonhos onde conduzo um carro sem travões e cujo volante não responde aos movimentos desesperados dos braços. Durante um determinado período, em que alguns colegas de trabalho andavam a tirar o curso de arquitetura, sonhei com alguma frequência que ainda estava a estudar e que nunca tinha os trabalhos de desenho e de projeto prontos a apresentar, enquanto dormia angustiava ao sentir que tinha os trabalhos por fazer e que seria impossível concluir as cadeiras com sucesso. Deixei de ter estes sonhos quando os meus colegas terminaram o curso. Quando estou doente ou muito preocupada sonho em círculos… os sonhos terminam e voltam ao início, sonhado repetidamente a mesma coisa a noite toda.

Os sonhos a que chamo normais, de todos os dias, adquirem os mais variados temas, cenários e personagens. Sonho com paisagens deslumbrantes, praias lindíssimas de mar azul cristalino, montanhas fabulosas e também com espaços arquitetónicos e cidades extraordinárias que gostava de projetar. Por vezes quando acordo destes sonhos fico a pensar na arquitetura que projeto no subconsciente e que consigo materializar em imagens sonhadas, mas que se tornam impossíveis de reproduzir na realidade. Se um dia conseguisse projetar e construir uma dessas obras sonhadas, ganharia certamente o prémio Pritzker! São sonhos onde surgem pessoas que conheço e pessoas que nunca conheci e que possivelmente nem existem, interagindo algumas vezes numa confusão e mistura de situações irreais com situações possíveis. Por vezes sonho com familiares que já faleceram e é de algum modo reconfortante sentir a sua presença. Alguns sonhos são muito coerentes e contam histórias engraçadas ou dramáticas, outros são completamente estapafúrdios sem sentido, desconexos. Uns transmitem desejo, alguns prazer, outros medo ou inquietação. São histórias soltas que por vezes se cruzam. São simples ou rebuscados sonhos, daqueles, de todos os dias.

De vez em quando sou brindada durante o sono com sonhos perfeitamente extraordinários. Alguns pelas mensagens que transmitem nas vivências sonhadas em imagens que recordarei sempre. Mensagens fortes, dramáticas, mas que recordo em alturas difíceis e me ajudam a ultrapassar o momento. Alguns dos sonhos extraordinários já não consigo reproduzir, mas após acordar tive a plena perceção que foram especiais. Um deles foi um autêntico filme, uma história coerente com princípio meio e fim, o que é raro num sonho. Lembro-me de outro em que sonhei repetidamente com a música que canta “você abusou…” e que na altura era a banda sonora de um anúncio publicitário a um medicamento para ajudar a digestão…quando acordei percebi o porquê do sonho: estava indisposta, com uma paragem de digestão. Já sonhei a preto e branco, algo excecional à regra de sonhar a cores. Num dos sonhos as imagens foram-me apresentadas em forma de película cinematográfica. Por vezes quando acordo fico espantada comigo própria e desgostosa com o facto de o meu conhecimento consciente não atingir o elevado nível intelectual do subconsciente, ao constatar que estive a sonhar em inglês ou em italiano, falando as línguas com desenvoltura e perfeição. Também já me aconteceu ter um sonho dentro de outro sonho, o que significa que atingi o topo da categoria dos sonhos, bem ao nível do filme Inseption – A origem!

Chá, café...ou um copo de vinho tinto

  Ouvi o silvo da chaleira ao lume, a água fervia, o chá ficaria pronto num instante… Mas não tenho por costume fazer chá, nem oferecer ch...