Pausa para café




Se há coisa que não suporto é beber café em pé, ao balcão. Há tempos pedi um café ao balcão de um bar anexo a um campo de futebol onde a equipa do meu filho iria jogar, com o sentido de o ir beber para uma sala contígua e, tranquilamente, ler um livro, na hora vaga antes de se iniciar o jogo. Após pagar o café, pergunto se me posso dirigir à tal sala. Incrédula oiço um não como resposta, a sala está fechada! Bem, o café estava servido, teria de o beber mesmo ali, em pé, ao balcão. Bebi-o rapidamente e fui para o carro ler, ainda faltava muito para o jogo começar. Aquele café não me deu prazer nenhum, bebi-o por obrigação, porque o tinha pedido e estava pago. Se soubesse que não me poderia sentar preferia nem beber café.

Mais do que a necessidade da cafeína, ou o prazer do sabor, eu bebo o café como um ritual, um momento de pausa. E, como todos os rituais, todos os momentos de pausa carecem de tempo e espaço apropriado. Aquele primeiro café da manhã, é o momento em que paro, em que faço a pausa necessária para me encontrar. É o momento em que, em paz, me preparo física e psicologicamente para o dia, para os outros, é quando recarrego a energia necessária. Ok e também a cafeína, para iniciar a minha atividade diária. Esse momento, como um ritual, tem de ser feito com calma, confortável e sem pressa. Mesmo que demore apenas 5 minutos, têm de ser 5 minutos tranquilos.

Aos poucos tenho aprendido a apreciar o sabor do café, mas reconheço que não me possa considerar uma verdadeira amante de café, apesar de não passar sem ele diariamente. Gosto  especialmente do contraste do amargo do café com o doce do açúcar e da canela, gosto de sentir o sabor do café misturar-se com o da manteiga que barra o pão integral que o acompanha e gosto especialmente de sentir o chocolate derreter-se na boca em contacto com o calor do café enquanto os seus aromas e sabores se fundem num líquido cremoso de sabor único e divinal.

Mas mais do que ter aprendido a apreciar o sabor do café, aprendi a apreciar estes momentos de pausa. Começaram nos almoços em família ao fim de semana. Tomar o café prolongava o almoço em convívio sem pressas. Na juventude as tardes passadas nos cafés com os amigos, em conversas intermináveis. Os encontros a pretexto de tomar um café e, após o primeiro filho, aqueles 2 minutos zen, só para mim, em que parava e me sentava a saborear um reconfortante café. Agora, com mais tranquilidade, com mais tempo, faço questão de manter esses momentos especiais, de pausa, sozinha e mais introspetiva ou acompanhada em agradável convívio, prolongando conversas. São minutos em que ganho horas!

Perspetivas




A nossa atividade profissional tendencialmente manifesta-se na forma como apreendemos os espaços, como interagimos e lidamos com situações e vivências rotineiras e na forma como comunicamos. É tudo uma questão de perspetiva e do modo como cada um tem a perceção da realidade.

Quem me conhece bem sabe que sou espacialmente muito desorientada. Quando me encontro num espaço fechado e quero indicar um determinado local nas redondezas, aponto sempre em direção à porta ou à janela…mesmo que essa seja a direção oposta à do referido local. Se, não conhecendo bem um caminho ou não sabendo exatamente uma localização, opto por virar à direita, então é quase certo que deveria ter virado à esquerda. O meu marido por vezes ainda arrisca pedir-me opinião sobre qual o caminho a seguir, mas arrepende-se imediatamente. A verdade é que nem eu confio no meu sentido de orientação, que é quase nulo. No entanto, se estudar um local ou caminho num mapa ou vista aérea, oriento-me perfeitamente. Quando tenho necessidade de conduzir para algum lugar com o qual não esteja familiarizada, basta-me decorar o local e o caminho estudando uma foto aérea e vou lá ter direitinha. É claro que se usasse o GPS o efeito poderia ser o mesmo…ou não! A questão é que, se entender o espaço, a distribuição das ruas e das construções, se perceber, numa vista abrangente e panorâmica, o percurso, com suas mudanças de direção, então o cérebro consegue processar de forma eficaz a espacialidade. E qual a melhor forma de eu entender e o espaço?! Em planta, não fosse eu arquiteta!

 Quando vou comprar fiambre ou queijo fatiados peço sempre um determinado número de fatias. Por norma, e foi assim que a minha mãe me ensinou, as pessoas pedem uns tantos gramas de fiambre ou queijo. Mas, sabendo que utilizo uma fatia de queijo em cada pão que preparo, sei que para preparar os 10 pães semanais preciso de 10 fatias, 15 dando o desconto de quem lá em casa se lambuza com 2 fatias por pão ou assalta esporadicamente o frigorífico, então peço sempre 15 ou 20 fatias de queijo da marca x. Eu sei lá quantos gramas são 20 fatias de queijo! Além disso desisti de pedir os produtos em gramas, os funcionários nunca entendiam quando pedia duzentOs gramas de fiambre! Se acontece comprar paté, daqueles que estão em cuvetes e são cortados mediante o pedido do cliente, peço sempre um pedaço com 1 ou 2 cm de espessura e nunca a quantidade pretendida em quilos ou gramas. Para quilogramas bastam-me, e sobram, os da minha balança!

Tendo uma mãe enfermeira estou razoavelmente apta para interpretar e traduzir o discurso das minhas amigas enfermeiras. A particularidade destas minhas amigas é que os seus filhos nunca esfolam os joelhos, fazem escoriações. Se alguma coisa as incomoda ficam com prurido, enquanto eu ando às aranhas com uma desgraçada comichão.  Na altura da adolescência dos filhos, as nojentas borbulhas de pus transformam-se em elegantes pústulas, que não lhes darão muitas dores de cabeça…apenas cefaleias. Os enfermeiros partilham com os instrutores de educação física uma visão muito mais complexa do corpo humano, o que para o comum mortal são pernas, braços, ombros e rabo, para estes profissionais são fibulares, glúteos, adutores, bíceps, tríceps, deltóides, braquiais, dorsais e romboides. A comida, por sua vez, perde toda a sua complexidade e diversidade para se resumir a calorias, hidratos de carbono, proteínas, vitaminas e lípidos. Um delicioso jantar de bacalhau com natas, bem regado a vinho tinto, tendo uma mousse de chocolate de sobremesa, será para os instrutores, médicos e nutricionistas apenas um jantar com excesso de calorias!

Deliciosas palavras II



Frequento uma pastelaria onde, quase diariamente, compro pão quentinho acabado de cozer para o lanche da família e um pão com passas que vou debicando enquanto leio um livro.  Adoro pedir um pão com passas. Não só o pão é delicioso como a sonoridade do pedido me é muito agradável. Há palavras ou conjuntos de palavras que são tão melodiosos e deliciosos que, independentemente do real sabor do produto, nos fazem água na boca. Pão com passas é uma daquelas frases que, mesmo sem predicado, nos enchem a boca, num contraste entre a textura densa do pão e a doçura fresca das passas. Pão com passas reconforta porque o som nos chega num sussurro quente e doce que nos envolve e nos alimenta a alma, antes mesmo de alimentarmos o corpo.

Tarte merengada é outro delicioso conjunto de palavras. A perspetiva de trincar as diferentes texturas e sabores que se desfazem na boca já me deixa num estado de deleite degustativo, mas ao ouvir o som pronunciado de tarte merengada, todo o corpo desperta na sugestão de se ver envolvido em ritmos quentes e sensuais. A sonoridade, mesmo que não acompanhada pela própria matéria, chega ao cérebro que a processa numa explosão de imagens, sons, sabores, texturas e sensações que percorrem o corpo todo numa ondulante dança.

A palavra broa, chega-nos de chofre, como um sopro rápido, sem sensualidade, sem que a língua se enrole, mas se for acompanhada de figos ou nozes, então o sopro prolonga-se numa brisa morna e doce de fim de verão ou em sussurros à lareira numa noite fria de outono.

Café é simplesmente café, mas um grão de café torrado é toda uma potencialidade de sabores e aromas por despertar. Grão é como broa, um sopro, mas acompanhado pela palavra torrado, torna-se furacão enquanto a língua rodopia entre os dentes ao pronunciar a palavra. O som de grão de café torrado entra diretamente nas narinas, passa pelo cérebro onde se transforma em aroma intenso, até se alojar nas papilas gustativas.

As especiarias enchem a nossa cozinha de sabores e cheiros riquíssimos ao mesmo tempo que vão pontuando o dicionário com palavras melodiosas, coloridas, quentes, perfumadas e muito saborosas. Canela, açafrão, baunilha, cardamomo, cerefólio, gengibre e mostarda são palavras quentes, redondinhas e cheias de mistério, insinuando exotismo, exuberância e singularidade. São palavras que cativam e nos deixam expectantes. Do mesmo modo que a própria substância confere caráter à refeição em que é utilizada, estas palavras, nomes de especiarias, e mesmo a palavra especiaria, têm a particularidade de transformar uma frase banal em algo muito sugestivo. Já comprei um livro porque tinha a palavra açafrão no título e outro pela sugestão de aromas provocada por especiarias também no seu título.

Uma palavra divinal é biscoito! Biscoito sugere a infância, divertida e empolgante, mas também sugere serenidade e conhecimento, em idade mais avançada. Biscoito enrola-se na sonoridade das suas vogais e, simultaneamente, vai sugerindo as possibilidades do seu paladar: biscoito de manteiga, biscoito de baunilha, biscoito de canela, biscoito de laranja…

Humm, imagino agora abrir uma lata de biscoitos onde estivessem guardadas todas estas palavras. Imagino as palavras divertidas a saltar da lata, como pipocas…pipocas, uma palavra que também me é muito agradável pronunciar, o ar a ficar preenchido por uma melodiosa harmonia de sons, libertando odores tão distintos e singulares que nos elevam para um arrebatamento sensitivo… imagino, mas este exercício foi tão intenso e sugestivo que repentinamente fiquei com uma necessidade urgente de saciar o paladar, e o estômago!

Chá, café...ou um copo de vinho tinto

  Ouvi o silvo da chaleira ao lume, a água fervia, o chá ficaria pronto num instante… Mas não tenho por costume fazer chá, nem oferecer ch...