Deliciosas palavras II



Frequento uma pastelaria onde, quase diariamente, compro pão quentinho acabado de cozer para o lanche da família e um pão com passas que vou debicando enquanto leio um livro.  Adoro pedir um pão com passas. Não só o pão é delicioso como a sonoridade do pedido me é muito agradável. Há palavras ou conjuntos de palavras que são tão melodiosos e deliciosos que, independentemente do real sabor do produto, nos fazem água na boca. Pão com passas é uma daquelas frases que, mesmo sem predicado, nos enchem a boca, num contraste entre a textura densa do pão e a doçura fresca das passas. Pão com passas reconforta porque o som nos chega num sussurro quente e doce que nos envolve e nos alimenta a alma, antes mesmo de alimentarmos o corpo.

Tarte merengada é outro delicioso conjunto de palavras. A perspetiva de trincar as diferentes texturas e sabores que se desfazem na boca já me deixa num estado de deleite degustativo, mas ao ouvir o som pronunciado de tarte merengada, todo o corpo desperta na sugestão de se ver envolvido em ritmos quentes e sensuais. A sonoridade, mesmo que não acompanhada pela própria matéria, chega ao cérebro que a processa numa explosão de imagens, sons, sabores, texturas e sensações que percorrem o corpo todo numa ondulante dança.

A palavra broa, chega-nos de chofre, como um sopro rápido, sem sensualidade, sem que a língua se enrole, mas se for acompanhada de figos ou nozes, então o sopro prolonga-se numa brisa morna e doce de fim de verão ou em sussurros à lareira numa noite fria de outono.

Café é simplesmente café, mas um grão de café torrado é toda uma potencialidade de sabores e aromas por despertar. Grão é como broa, um sopro, mas acompanhado pela palavra torrado, torna-se furacão enquanto a língua rodopia entre os dentes ao pronunciar a palavra. O som de grão de café torrado entra diretamente nas narinas, passa pelo cérebro onde se transforma em aroma intenso, até se alojar nas papilas gustativas.

As especiarias enchem a nossa cozinha de sabores e cheiros riquíssimos ao mesmo tempo que vão pontuando o dicionário com palavras melodiosas, coloridas, quentes, perfumadas e muito saborosas. Canela, açafrão, baunilha, cardamomo, cerefólio, gengibre e mostarda são palavras quentes, redondinhas e cheias de mistério, insinuando exotismo, exuberância e singularidade. São palavras que cativam e nos deixam expectantes. Do mesmo modo que a própria substância confere caráter à refeição em que é utilizada, estas palavras, nomes de especiarias, e mesmo a palavra especiaria, têm a particularidade de transformar uma frase banal em algo muito sugestivo. Já comprei um livro porque tinha a palavra açafrão no título e outro pela sugestão de aromas provocada por especiarias também no seu título.

Uma palavra divinal é biscoito! Biscoito sugere a infância, divertida e empolgante, mas também sugere serenidade e conhecimento, em idade mais avançada. Biscoito enrola-se na sonoridade das suas vogais e, simultaneamente, vai sugerindo as possibilidades do seu paladar: biscoito de manteiga, biscoito de baunilha, biscoito de canela, biscoito de laranja…

Humm, imagino agora abrir uma lata de biscoitos onde estivessem guardadas todas estas palavras. Imagino as palavras divertidas a saltar da lata, como pipocas…pipocas, uma palavra que também me é muito agradável pronunciar, o ar a ficar preenchido por uma melodiosa harmonia de sons, libertando odores tão distintos e singulares que nos elevam para um arrebatamento sensitivo… imagino, mas este exercício foi tão intenso e sugestivo que repentinamente fiquei com uma necessidade urgente de saciar o paladar, e o estômago!

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