A sala de espera da estação




Sentei-me na sala de espera da estação de comboios aguardando a minha boleia. Não regressaria a casa de comboio, mas, ficando a estação mesmo ao lado da estrada onde passaria o meu marido, a sala de espera seria uma boa opção, proporcionando-me abrigo e descanso. Uma réstia de sol espreitou por entre as nuvens carregadas de chuva e a luz amarelada refletida pelo rio iluminou a sala que se encontrava na penumbra, criando uma quadriculada sombra no pavimento de pedra.

Pousei no assento do lado o saco com pão acabado de cozer que libertava um cheirinho irresistível, fazendo um esforço por não ceder à tentação de tirar só um bocadinho, pois a seguir a esse seria mais outro e outro…. Peguei no livro, abri na página marcada, e comecei a ler. A história é cativante e preciso ter atenção para não me perder na leitura e esquecer as horas. De quando em quando levanto os olhos para olhar o relógio, observar a sala e consultar o painel com os horários e cais de partidas dos vários comboios regionais e suburbanos. É o forte vício de olhar para um ecrã que esteja à minha frente, mesmo que a informação que transmita me seja completamente inútil ou desinteressante. Mas não sou uma alma perdida pelas solicitações e estímulos tecnológicos, de igual modo olho e leio todas as palavras e frases que me aparecem pela frente, mesmo não tendo qualquer interesse em saber qual o destino do autocarro que passa, qual a direção a tomar para seguir para o estádio, ou, sabendo perfeitamente que não devo, nem quero, alimentar os pombos que teimam em entrar na estação, continuo a ler e a reler o letreiro que diz: “Por favor, não alimente os pombos; Please, do not feed the pigeons.”

Na sala de espera somos apenas 4 ou 5 pessoas. Aparentemente todos com mais de 45 anos, duas senhoras seguramente com mais de 65 anos. Eu sou a única que ocupa o tempo de espera a ler, todos os outros estão de olhos fixos no telemóvel, conversando por mensagens, vendo algum artigo na Internet ou atualizando e atualizando-se nas redes sociais.

Já não é muito comum ver-se alguém a ler um jornal ou revista nas salas de espera, desconfio que nem mesmo a “Maria” sobreviveu à era digital! Com alguma nostalgia recordo uma viagem que fizemos, ainda sem filhos, a Londres. Tendo ficado alojados em casa de um amigo, a sul de Londres, todos os dias fazíamos a viagem de comboio para o centro da cidade. Fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que ocupavam as viagens de comboio a ler. Jornais, revistas, livros, todos liam! Aconteceu mesmo numa dessas viagens nós sermos os únicos na carruagem que não estavam a ler, e a carruagem estava bem lotada. Vergonha, todos a ler e nós apenas nos deleitávamos a ver a paisagem! É claro que nas primeiras viagens tínhamos todas as desculpas para irmos a olhar para a paisagem; sempre alimentei a esperança de, chegando a Battersea, conseguir ver o porco a voar entre as chaminés brancas da Usina Termoelétrica! Mas aquela já não era a primeira nem a segunda viagem para o centro de Londres e como tal imperdoável sermos os únicos na carruagem sem um livro, jornal ou revista na mão. Não me dei por vencida e, decidida a não fazer má figura perante os súbditos de Sua Majestade, tirei da mochila o diário de bordo onde ia relatando a viagem. Sendo um caderno de capa dura, sem qualquer imagem na capa, passaria como um qualquer romance ou livro de aventuras… e era mesmo! Até a estação de Waterloo fui divertida, relendo o que já tínhamos vivido nessa viagem e orgulhosa por ter um livro para ler, mesmo que o seu fim estivesse ainda por concluir.

As luzes da estação acendiam-se finalmente, já não havia sol e a sala escurecida tinha-me feito parar a leitura.  Mas agora também não a retomaria, a minha boleia estava a chegar. À beira rio vi o automóvel aproximar-se enquanto as luzes da cidade se acendiam. Deixámos para trás a cidade já iluminada e voltámos para casa.

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