Havia numa parede da sala da
minha casa de infância em Lisboa, um quadro com uma fotografia panorâmica de
Coimbra. Na realidade não era uma fotografia panorâmica mas várias fotografias
a preto e branco que se sobrepunham formando uma imagem da vista que se tem de
Coimbra da margem esquerda do rio Mondego. O rio, a ponte de Santa Clara, a
beira-rio, a encosta com o seu casario, coroada com a universidade e, como a
cereja no cimo do bolo, a torre da universidade. Esta imagem acompanhou-me toda
a minha infância e, sem nunca me ter fascinado especialmente, com exceção da
parte técnica da sobreposição das fotografias que sempre despertou a minha
curiosidade, ficou de forma indelével gravada na minha memória.
Nunca então poderia imaginar que
essa imagem de Coimbra viesse a ser por mim visionada, ao vivo e a cores, dia
após dia durante mais de 20 anos. As voltas da vida trouxeram-me a esta cidade
para trabalhar, mas não para viver. Confesso que não posso dizer que seja uma
apaixonada por Coimbra, no entanto reconheço a sua beleza, a sua história e as
suas qualidades e acredito que, se me fosse possível deixar de aqui trabalhar, iria
sentir a falta dos momentos, dos lugares, mas principalmente das pessoas.
Iria sentir a falta de atravessar
o rio, o maior inteiramente português, todos os dias. Das manhãs em que o
nevoeiro se eleva do rio, dissipando-se na atmosfera, atravessado pelos raios
solares rasantes, criando um ambiente sereno e nostálgico em que o tempo parece
parar. De observar os grupos de patinhos bebés seguindo a mamã pata no rio, de
ocasionalmente ver um peixe saltar para logo voltar a mergulhar, de observar o
voo das gaivotas sobre o rio e de ouvir o seu grasnar, apesar dos cerca de 40
km de distância ao mar. De seguir atentamente o percurso das embarcações
desportivas nos seus treinos matinais e vespertinos.
Sentiria certamente a falta de
percorrer a pé as ruas da baixa da cidade. De sentir de manhã cedo o doce aroma
a bolos e pão acabado de cozer que se liberta dos convidativos cafés ao longo das
ruas pedonais a caminho da praça 8 de Maio, enquanto os empregados preparam as
esplanadas para receber os turistas, visitantes e trabalhadores na sua pausa
para o café. De me cruzar com as esculturas vivas, os músicos e os pintores de
rua que pontualmente animam o meu percurso diário. De ver e ouvir as tunas
académicas, de fatos e capas negras, atuando na rua, mostrando as suas
tradições e atraindo tantos espetadores. iria sentir falta de me “perder” no
meio da multidão indiferente, apressada ou descontraída que percorre a baixa e
de me reencontrar na livraria do Largo da Portagem.
Mas seriam as pessoas que mais
falta me fariam. Não as de rostos desconhecidos com quem me cruzo no decorrer
dos dias, mas os amigos que fui fazendo em duas décadas de trabalho. Há
pessoas, especiais, com as quais as relações laborais se transformaram em
amizades. São 2 décadas de partilhas, de aprendizagens, de trabalho, de cafés e
conversas, de muitas frustrações e de alguns sucessos, mas sobretudo são 2
décadas de crescimento e enriquecimento como pessoa, pelas amizades que em
Coimbra fui ganhando. As pessoas, algumas pessoas, são o melhor que Coimbra tem!
As suas qualidades elevam-se muito mais alto que a torre da universidade, o seu
encanto brilha mais forte que os reflexos dourados do sol no rio Mondego e a
sua amizade é um bem mais precioso que a Biblioteca Joanina.~
Mas infelizmente, para já, não
chegarei a saber se realmente Coimbra tem mais encanto na hora da despedida!
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