O rapazito franzino, de olhar
bondoso e esperto, caminhava preguiçosamente a caminho de casa, depois de uma
manhã a tentar prestar atenção ao mestre que lecionava as aulas na escola
primária da vila. A matéria interessava-lhe, mas também lhe interessava o que
se passava na rua e tentava vislumbrar através da grande janela da sala de aula,
por isso era frequentemente chamado à atenção pelo professor. Além disso ao fim
da manhã já era muito difícil permanecer concentrado, a fome apertava e já só
conseguia pensar no recado da mãe: depois da escola passa na padaria e traz o
pão para tu e os teus irmãos comerem hoje.
Nos pés trazia uns sapatos velhos
e apertados, já usados pelo irmão mais velho e que o pai tinha arranjado. Era
sortudo por não ter de andar descalço como muitos dos companheiros da sua aldeia.
Levava a sacola da escola a tiracolo e na mão o saquito com o pão que a padeira
lhe tinha dado. A parte final do percurso de cerca de 2 km entre a escola e
casa era a mais difícil, uma subida acentuada. Como a fome apertava e o caminho
era longo foi tirando distraidamente umas migalhitas do pão. Sempre dava para
enganar o estômago até às couves do almoço. Uma migalha agora, mais uns passos
e outra migalha, a curva do caminho e outra migalha, o atalho pelo carreiro a
subir e mais umas quantas migalhas, até que finalmente, cansado, mas saciado,
chegou a casa.
A mãe e os irmãos mais novos já o
esperavam com o caldo de couves e batatas na mesa pronto a ser servido. Contou
entusiasmado a leitura que tinha feito na aula, gostava muito de ler, mas
omitiu a parte da repreensão do professor. A mãe, paciente, ouviu-o com atenção
e amor, sabia o quanto era importante para aquele filho aprender, mas esperava
que lhe entregasse o pão e assim calar os estômagos dos pequenitos. Ao entregar
à mãe o saco do pão estranhou a sua leveza. Logo que a mãe abriu o saco
depararam-se apenas com um pequeno pedaço de pão. Esbugalharam ambos os olhos
olhando para aquele resto de pão. Ele assustado e com um grande sentimento de
culpa porque se apercebeu que ao longo do caminho tinha comido o pão quase
todo, o pão que era também para os irmãos. Ela porque mais uma vez não teria
pão para saciar toda a família. Ela também porque olhava para aquele filho
franzino que se tinha levantado ainda de noite para ir a pé para a escola, com
pouco mais que uma água deslavada no estômago, sentia a sua fome e percebia a
inocência do seu ato e a culpa que agora lhe pesava. Não o iria repreender,
teria apenas de, mais uma vez, multiplicar as migalhas restantes e dividi-las
pelos filhos. Mais um dia em que ela e o marido não comeriam pão, mas naquela
mesa não faltaria alegria, não faltariam conversas nem faltaria amor.
À noite, depois de cumpridas
todas as suas tarefas, sentou-se ao borralho junto à mãe. Aproveitava o calor e
a luz do fogo para ler o livrito que tinha trazido da escola. A divisão, de
paredes pretas pintadas pelo fumo, exercia nele um certo fascínio. Gostava de,
nas noites frias e escuras de inverno, sentir o calor e a luz do fogo, sentir o
cheiro da madeira queimada e da sopa a ser feita na panela de ferro. Gostava de
olhar para cima e ver o fumo a escoar-se pelas telhas de barro. Mas gostava
sobretudo daqueles momentos a sós com a sua mãe, quando os irmãos mais velhos
iam deitar os mais novos e o pai tratava dos seus assuntos na sala ao lado.
Sabia que os tais assuntos do pai, quando a vida o permitia, era apenas o prazer
de ler um livro em sossego, à luz da lamparina. Partilhava com o pai o gosto
pela leitura e sentia nisso um grande orgulho.
A sua vida era simples, mas
feliz, o fogo tinha-lhe aquecido o coração e a companhia e perdão da mãe
reconfortou-lhe a alma. Sentia que não precisava de muito mais, tinha a
possibilidade de estudar e tinha uma casa cheia de gente e de amor. A guerra na
Europa já tinha terminado por isso tinha confiança que tudo iria também melhorar
em termos económicos.
Nessa noite, já deitado, disse as
suas orações em silêncio, porque Deus não precisava de som para o ouvir.
Profundamente arrependido, pediu perdão por ter comido o pão que era para
todos. Prometeu que se recordaria para sempre desse incidente e que tal não
voltaria a acontecer. Pediu pela mãe, pelo pai e pelos irmãos, que tivessem
saúde e prosperassem. Pediu também a Deus que lhe permitisse nunca mais ter
fome…
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