Querido diário...




7 horas, o despertador toca. A sério? Ainda não dormi tudo e o despertador já está a tocar? Há 16 anos, a idade do meu filho mais velho, que tenho uma montanha de horas de sono em débito. Há 16 anos que sofro de sono crónico. Levanto-me e, a cambalear, dirijo-me à cozinha para tomar o comprimido para a Tiróide, o primeiro do dia. Isto já só lá vai com comprimidos. Apesar de me sentir jovem, saudável e poderosa, as obrigatórias bolinhas e disquinhos brancos insistem em lembrar-me a minha idade e condição médica. Desvalorizo, não se pode dar muita confiança às maleitas. Tomo o comprimido e, apesar de já ter celebrado o 50.º, sigo a minha vida como se ainda tivesse 20 anos… com a gigantesca diferença que, com 20 anos, não tinha de me levantar às 7 para ir trabalhar, nem tinha filhos. Trato de mim, oriento os miúdos, faço uma ou outra coisita em casa e pelas 8 saio para o trabalho.

Passo o dia todo a trabalhar, como aliás a grande maioria dos humanos da minha idade. Não tem muito interesse neste momento abordar as situações com que me deparo no trabalho, já foram alvo de inspiração para outros textos. Saio do trabalho e faço umas compras para casa. Chego a casa, faço mais umas coisitas à pressa e tenho logo de sair para levar, ou buscar, os miúdos às atividades. “Despachados” os miúdos e a casa orientada (muitas vezes este orientada significa que alguém lá fica a tratar do que é preciso, sempre sob minha orientação, claro), sigo para o momento em que verdadeiramente me dedico a mim.

Estaciono no piso – 1 e apanho o elevador para o piso 2. São só 3 pisos, poderia muito bem ir pelas escadas, eu vou sempre pelas escadas: no serviço, quando vou a uma consulta no hospital, mesmo tendo de subir 6 pisos… mas quando vou ao ginásio subo ao piso 2 pelo elevador, não me perguntem porquê, mas deve ser psicológico – aquele momentinho de preguiça antes de começar a dar cabo do corpo.

Estou toda dorida, mas não deixo de ir malhar. Ao fim de 2 anos a frequentar o ginásio quase diariamente, era suposto que todos os músculos já estivessem perfeitamente familiarizados com as torturas aplicadas. É o que faz não ter estudado anatomia, deixei que alguns músculos, que nunca imaginei existissem, se mantivessem adormecidos, escondidos e pouco ou nada utilizados. Mas os queridos instrutores que devem ter passado horas e horas a decorar os nomes, a localização e a maneira de acordar, utilizar e massacrar todos os mais de 600 músculos do corpo humano, têm um especial prazer em colocar na prática todos esses fantásticos conhecimentos adquiridos, utilizando-nos como cobaias. É sempre extraordinariamente surpreendente ao fim de cada aula conseguir descobrir mais um músculo desconhecido e tomar consciência da sua existência através da dor. Olá corpo, olá cada um dos seiscentos e tal músculos, bem-vindos à minha vida!

Não sou a única a sentir o mesmo, somos mesmo muitas. Mulheres que passam a vida numa correria para conseguirem um tempinho para ir ao ginásio…correr! Quem diz correr diz outra ação qualquer. Desde que o resultado seja massacrar o corpo, serve. Estamos naquela idade em que nos sentimos capazes de tudo, não há barreiras que não consigamos ultrapassar, afinal estamos no mercado do trabalho há mais de 20 anos e toda a gente sabe que não há nada mais duro que trabalhar, somos mães…bem, na realidade por vezes ser mãe é bem mais duro que trabalhar e ainda conseguimos sobreviver ao convívio diário com adolescentes! Terrível! E como nos sentimos capazes de tudo e mais qualquer coisa que os queridos instrutores resolvam inventar, mesmo doridas vamos ao ginásio e esforçamo-nos sempre mais. Muitas vezes esforçamo-nos até de mais. É um círculo sem fim: dor sobre dor sobre dor… A culpa, claro, é dos instrutores que se esquecem que poderíamos ser mães deles, mães jovens, evidentemente, mas biologicamente possível, e dizem para nos desafiarmos e nós, ingénuas, vamos na cantiga. Os resultados são evidentes: sentimo-nos cada vez mais poderosas, doridas, mas poderosas!

Satisfeita, depois de um banho regenerador, volto para casa, para junto da família. Finalmente o descanso merecido…ou não!

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