Máquina Infernal

 



Tive ontem a confirmação de algo de que já andava desconfiada há algum tempo. Basta utilizar uma vez para perceber que aquela máquina tem na sua essência algo que não é inocente. Na sua versão mais moderna ela apresenta-se apelativa, cheia de opções de funcionalidade, com luzes e bonitos elementos cromados polidos e garante ser um veículo seguro e eficaz para que o inocente utilizador atinja os seus mais elevados objetivos de realização pessoal. Ela insinua-se no meio das outras máquinas, sempre disponível, com os seus braços abertos para nos receber. Chama por nós prometendo ser a mais fácil, a menos dolorosa, mas a mais eficiente. Admito que foram várias as vezes que não consegui resistir aos seus encantos, respondendo ao seu chamamento de promessas irresistíveis. Fui na sua cantiga de facilidades e garantias…uma desilusão, um autêntico canto de sereia. O que prometia ser indolor converte-se num sofrimento insuportável, o corpo doi, o coração dispara para além do seguro, a vontade de desistir atormenta-me, gera-se uma luta interna e o corpo já não sabe se responda à ordem de parar se responda à ordem de continuar. Nem sei bem quem terá dado esta última ordem dentro de mim, mas as pernas continuam em movimento, o que significa que foi esta a ordem acatada. Talvez tenha sido a esperança de acreditar na sua promessa de eficácia. É claro que se comprovou que os objetivos não foram atingidos…nem poderiam, em “apenas” meia hora!

Quando entro no ginásio e olho para aquelas máquinas percebo logo que são máquinas de tortura camufladas de realizadoras de sonhos. Elas brilham e sorriem para nós como se fossem as nossas melhores amigas, mas num instante convertem-se em demónios sem qualquer compaixão pelo sofrimento alheio. É óbvio que só uma mente perversa poderia idealizar um tal mecanismo. Máquinas que aos poucos, sem que consigamos dar conta, nos vão consumindo as carnes, alimentando-se do nosso corpo, devorando-nos lentamente…muito lentamente para que não nos consigamos aperceber atempadamente da transformação que nos estão a provocar.

Ontem na rádio ouvi que a passadeira, tão popular nos ginásios e nas casas de muitos inocentes, foi inventada como instrumento de tortura e de castigo de prisioneiros que eram obrigados a caminhar nelas durante muitas horas sem poderem parar. Tudo certo, uma máquina de tortura e castigo nas prisões, que continua a ser máquina de tortura e castigo nos ginásios, só mudam as instalações e os elementos que de um lado e de outro a usam. Substituímos os prisoneiros por pessoas livres que voluntariamente se prestam pagar para utilizar o maléfico mecanismo e os guardas prisionais por simpáticos instrutores que nos convidam a usufruir de tão útil mecanismo, sem que precisem de outro meio de persuasão que não seja o seu sorriso.

Claro que a bem da verdade se comprova que a origem e utilização da passadeira não foi tão linear como a expressa no parágrafo anterior, mas é a verdade mais consonante com os sentimentos que nutro por essa máquina infernal.


Fotografia: Mauro Paula - Adhoc Gym

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