Maresia


 

Hoje apetece-me escrever. Tenho uma vontade enorme de falar do cheiro a maresia, a bolos e a pão acabado de cozer. Cheiro a manhãs frescas de verão, quando a neblina e o mar se fundem, deixando a vila mergulhada no silencio húmido de um lento acordar tardio.


Manhãs em que, sem pressa de ir para a praia, percorro descontraidamente as ruas da vila, ausente de veraneantes. A neblina instalada cria uma dimensão diferentes aos dias, a dimensão do tempo parado, possibilitando-me caminhar sozinha, isolada, absorvendo os odores intensificados a mar, a bolos e a pão acabado de cozer. Permito-me passear descontraidamente, sem horário. O branco e azul das construções é absorvido pelo filtro cinza claro da neblina que preenche os espaços, tornando suaves e indefinidas as linhas dos seus contornos. Caminho como num sonho, num mundo semirreal, suave e indefinido na sua dimensão física, mas intenso em tranquilidade e em perceções olfativas.

O aroma a bolos e a pão acabado de cozer é irresistível. Saboreando o momento de tranquilidade entro numa padaria. O aroma intensifica-se, há pão quente, o que me deixa de água na boca. Compro pão para o dia, o famoso pão da zona, denso e saboroso, e broa para acompanhar as sardinhas ao almoço. Com o saco de pão na mão a exalar um cheirinho delicioso percorro as ruas, que continuam ainda desertas, em direção à praça onde há uma pastelaria que recordo dos tempos de criança. Já nessa altura um dos melhores momentos do dia era aquele em que, acompanhando o café que os nossos pais bebiam, eu e os meus irmãos comíamos um bolo na pastelaria da praça. Com o aroma a bolos acabados de fazer seduzindo os transeuntes, não resisto e entro na pastelaria. O sol continua encoberto e de momento a melhor forma de preencher a manhã é deixar-me levar pelo prazer de apreciar um bom café e um bolo delicioso na pastelaria deserta.

Estas memórias tão doces, esta vontade de reviver estes momentos, surgem ao caminhar pelas ruas desertas numa manhã qualquer de uma primavera atípica. Não cheira a bolos nem a pão acabado de cozer, as pastelarias estão fechadas. As ruas estão desertas, mas o sol brilha e a sua luz inunda a cidade, intensificando-lhe as cores. Tento repetir a sensação de bem-estar por caminhar numa rua deserta, tento apreciar a solidão e a tranquilidade da ausência de transeuntes de passos apressados, de conversas cruzadas e de trânsito à hora de ponta. Tento, mas não consigo, a nostalgia apodera-se de mim, a lembrança de momentos agradáveis do passado contrasta de forma absurda com a surreal situação do presente. As ruas completamente desertas já não são agradáveis, são deprimentes e assustadoras, a solidão é triste e angustiante e falta o cheiro a bolos e a pão acabados de cozer. Mas o sol brilha e o seu brilho é intenso, purificador e ao sentir o seu calor acariciar-me a pele sinto a esperança de num futuro próximo voltar a sentir o cheiro a maresia, a bolos e a pão acabado de cozer.

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