Um cesto de figos numa noite de verão




Na mesa redonda de madeira, no centro do pátio, um cesto com figos adoçava o aroma morno do início da noite de fim de verão. Molenga, deixei-me reclinada lambendo os dedos pegajosos do açúcar dos frutos. O vinho repousava no copo de vidro, abrindo-se para a noite que se esperava longa e preguiçosa. A refeição de bolinhas de carne, queijo, pão com mel, pinhões, passas, azeite e ervas aromáticas, finalizada com figos e acompanhada pelo vinho, boa companhia e agradáveis conversas tinha-me deixado um suave torpor no corpo descontraidamente exposto. A túnica verde pendia em direção aos mosaicos coloridos do pavimento, deixando a descoberto as coxas firmes e morenas. Era agradável sentir na pele o vento morno soprado através das copas dos pinheiros iluminadas pela avermelhada luz rasante do sol poente. Semicerrei os olhos filtrando a luz. A pintura à minha esquerda apareceu desfocada, distinguindo-se apenas os tons quentes que a compõem, em pinceladas retratando os deuses que protegem a propriedade.

Não reparei quando ele se levantou para se servir de mais vinho, apenas senti o arrepio do toque da sua mão percorrendo o meu ombro, descendo o braço e pousando na perna. Despertei do meu estado letárgico e virei o rosto para ele, abrindo os olhos num sorriso de prazer. Levou o copo à boca e saboreou o vinho. Deu-mo a provar através dos seus lábios ainda húmidos. O beijo prolongou-se ávido. Foi interrompido pela entrada da jovem, elegante e bela, trazendo uma travessa com a iguaria para degustar no início da noite. Rapidamente pousou a travessa sobre a mesa e retirou-se, envergonhada pela sua indiscrição.  Levantei-me, peguei no copo que levei aos lábios prolongando o sabor do beijo, contornei a mesa e não resisti a provar aquela especialidade de terras distantes, enriquecida com ingredientes locais – tâmaras recheadas com nozes, pinhões e pimenta, envoltas em sal e fritas em mel cozido!

A noite tinha-se instalado e a luz das lamparinas criava sombras ondulantes no pavimento. Maravilhada com as mistura de sabores que se fundiam a cada dentada, a cada gole, despertei todos os sentidos numa ânsia de absorver todas as sensações que a noite proporcionava. Os sons discretos, a luz suave, o aroma quente e doce, os sabores contrastantes e o toque do seu corpo no meu. Com firmeza enlaçou-me com o braço forte e protetor. A visão do contorno do músculo interrompido pela rude cicatriz, obra de antigas batalhas, fez-me perder no seu abraço, aconchegando-me ao seu corpo. O braço livre levou o copo aos lábios e de um trago bebeu todo o vinho restante. Deixou o copo cair, estilhaçando-se no chão, e envolveu-me numa inebriante fusão de corpos, vontades e desejos.

Na privacidade do quarto o sussurro das respirações próximas foi abruptamente suspenso pelo grito gélido que atravessou a noite e os espaços. Num salto levantámo-nos e, envoltos nos lençóis, corremos descalços na direção do som. Apesar da suave iluminação proporcionada pelas lamparinas, era visível no corredor o percurso de sangue marcado no pavimento e paredes. As manchas de vermelho forte vinham da direção do pátio e terminavam à porta do quarto, fechado, da jovem serva. No seu instinto protetor e guerreiro avançou colocando-se à minha frente, deixando-me na proteção do seu corpo forte e musculado. O medo dominou o meu corpo que com dificuldade avançava pelo corredor, no entanto não me poderia afastar da proteção que ele me proporcionava, da segurança que a sua experiência de combate me inspirava.

No pátio fomos recebidos por uma brisa ainda morna e doce, perfumada pelo aroma dos pinheiros e dos figos espalhados no chão. As lamparinas do pátio tinham-se apagado e a lua, no seu quarto crescente, pouco iluminava. Parei encostada a uma coluna, alerta, tentando perceber algum movimento, qualquer elemento suspeito que nos indicasse o sucedido. Corajosamente ele avançou na escuridão, pronto a atacar, pronto a defender-se e a defender-me. O seu inesperado grito de dor paralisou-me de terror. Cambaleando avançou para mim gritando impropérios. Junto a mim deixou-se cair e agarrou-se ao pé ferido que sangrava abundantemente. Apesar da pouca luz conseguiu retirar do pé a lasca de vidro estilhaçado…

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