No centro da imagem branca de luz
surgia o seu corpo nu. Olhava-me com a serenidade e o amor com que me olha
sempre. No seu belo rosto não vislumbrei dor, angústia ou raiva. Sentada estava ali,
apenas sentada, imóvel, expondo as marcas do seu corpo sofrido. Um corpo
retalhado, mutilado, cortado e cosido. Corte após corte, costura, após costura,
não se tornando porém um corpo inútil. O corpo que nunca deixou de ser um corpo disponível para trabalhar, para amar, para proteger, para aconchegar, para servir, guarda
as marcas visíveis, em tatuagens de carne, de vitórias conquistadas, de
sofrimentos sentidos, ultrapassados e recordados. Sentada na luz, imóvel, expõe
o corpo mas não é o corpo que se vê, são as linhas e os pontos que o percorrem,
que o desenham, que formam as cicatrizes que o marcam que se vêem, que se
expõem e sobressaem.
Acordo sobressaltada, angustiada
e impressionada pela imagem. Os sentimentos que me invadem são ambíguos. Apesar
da crueldade da imagem do corpo retalhado, o sonho transmitia serenidade. A
serenidade que alcança quem aceita transformar os momentos mais duros em
caminhos a percorrer no encalço de uma paz interior. A serenidade de quem
corajosamente enfrenta as batalhas com a força do amor. A serenidade de quem
sabe transformar os triunfos, tatuados em carne, em dádivas.
Com a imagem cravada na memória
percorro com os dedos as minhas próprias cicatrizes. Cicatrizes que são
tatuagens de dor e de amor. Tatuagens que não enfeitam o corpo mas que o deixam
marcado em histórias de vida. Marcas que são troféus cravados na carne. Com o
exemplo aprendi a aceitar corajosamente todas as batalhas que me são
apresentadas, com o exemplo aprendi a lutar silenciosamente mas com
determinação e com o exemplo aprendi a agradecer cada superação, cada vitória.
Porque é sentindo-me agradecida, é vivendo e gozando cada momento com amor e
alegria, que melhor honro os troféus cravados no corpo.
Cada marca, cada cicatriz, cada
ruga, cada linha desenhada no corpo, tem uma história, a nossa história. A história
da nossa vida que se quer preenchida e vivida na sua plenitude, nos bons e nos
maus momentos. As marcas, as cicatrizes, as rugas e as linhas desenhadas no
nosso corpo são como pedras no caminho, vamo-las recolhendo, acumulando o seu
peso. No fim da viagem se olharmos para trás observamos o maravilhoso caminho
que percorremos, limpo de pedras!
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