Há momentos especiais que nos
ficam eternamente gravados na memória, os quais por vezes evocamos como
analgésicos para minorar as tristezas que surgem. Um desses momentos foi quando
saí da sala de partos, de maca, com a minha filha mais nova, recém-nascida, no
colo. Ao aproximar-me do corredor da enfermaria para onde iríamos, vislumbrei
duas silhuetas que me eram familiares e nos esperavam já com alguma preocupação
e ansiedade (algumas complicações pós-parto provocaram bastante demora na sala
de partos). O meu filho de 3 anos e o meu marido aguardavam-nos, de mãos dadas,
à porta do corredor da enfermaria. Nunca mais esqueço aquela imagem e o olhar
daquele menino lindo à minha espera, à nossa espera, segurando numa mão um ramo
de rosas vermelhas enquanto a outra mãozita apertava a grande e protetora mão
do pai.
Outro momento especial foi quando
regressámos a casa, vindas da maternidade. Mal entrámos e nos instalámos no
sofá, eu sentada e a bebé no ovito, o irmão foi radiante buscar todos os presentes
para oferecer à recém-nascida, dando-lhe as boas vindas. A cada embrulho aberto
o rosto dele iluminava-se de expectativa e de felicidade, orgulhoso do seu
papel de irmão mais velho e verdadeiramente feliz pela chegada da irmãzinha. No
meio de tantos presentes para a bebé, o pai pegou num embrulho e ofereceu-lho
dizendo que era um presente que a irmã tinha trazido para ele… A expressão
dele, ao início de olhos arregalados, meio incrédulo com algo tão bom e depois,
com o sorriso rasgado, completamente feliz e agradecido, ilustrou toda a
alegria e amor pela irmã que a partir daquele momento se instalou
definitivamente no seu coração.
Os momentos de ternura entre os
dois irmãos foram amplamente demonstrados, apreciados e eternizados em
fotografias quando eram mais pequenos. À medida que cresceram e que o seu mundo
se alargou, em horizontes e conhecimentos, foi sendo mais esporádica a
demonstração de afeto e as discussões mais frequentes. Naturalmente, como dois
irmãos com uma relação perfeitamente saudável, passam dos abraços e carinhos às
celeumas com a mesma rapidez com que o Zorro marca os seus opositores com o
famoso Z.
Apesar da, muitas vezes fingida,
indiferença, a cumplicidade entre os dois irmãos existe, mas cada um desempenha
o papel que estrategicamente assumiu na relação. O de irmão mais velho que
acarinha com meiguice a irmãzinha mais nova, o de irmã mais nova mas já
crescida a quem os excessos carinhosos do irmão exasperam. O de irmão mais
velho e sabichão pronto para atormentar a pequena, o de irmãzinha mais nova,
vítima da tirania do crescido… Por vezes esquecem os seus papéis e são apenas
eles, irmãos amigos. Por vezes esquecem os papéis que se propuseram representar
e andam abraçados, conversando animadamente. Por vezes ela pede-lhe ajuda e ele
acede sempre. Mas sempre, mais ou menos mascarado, camuflado ou demonstrado, o
amor que os une vai deixando um traço nas suas ações, nas suas vidas. Um traço
que os marca e vai desenhando o futuro da sua relação. Pelo que tenho assistido,
acho que o desenho, em constante expansão, será sempre muito alegre, colorido,
cheio de animação, ação e aventura.
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