Os jogadores posicionam-se nos
seus lugares, a bola encontra-se no centro geométrico do campo retangular. Tudo
no campo é geometria: linhas, pontos, áreas. As linhas brancas no relvado
mostram a perfeita simetria em que se joga, meio campo para uma equipa e outro
meio campo para a equipa adversária. A simetria do campo, o mesmo número de
jogadores de cada lado e até o posicionamento dos 3 árbitros, indicam que se
trata de um jogo geometricamente equilibrado… e seria, se não fosse a esfera o
elemento principal!
Soa o apito do árbitro dando
início à partida e a bola passa de pé para pé, de pé para cabeça, de cabeça
para cabeça, de cabeça para pé, chutada e cabeceada com precisão. As linhas da
trajetória da bola são intersetadas com agilidade, criando novas linhas, retas,
curvas, hipérboles, às vezes espirais. O campo é preenchido com desenhos
abstratos e imaginários formados pelo trajeto da bola. Traços curtos, traços longos,
criando ângulos, interseções, diagonais, paralelos. Linhas em todas as direções
preenchendo completamente a área de jogo e muitas vezes saindo mesmo do
perímetro do campo. O equilíbrio estático inicial perde-se no decorrer do jogo,
a simetria dilui-se, a geometria transforma-se em arte.
Ouvem-se gritos eufóricos, soa o
apito, foi golo! Desperto das minhas fantasias geométricas e festejo com o
grupo o golo da nossa equipa. 1 a 0, estamos a ganhar, é matemático! Tão
matemático como o discurso de um ex-treinador que dizia que o guarda-redes não
faz a equipa ganhar jogos, que, na melhor das hipóteses, não sofre nenhum golo
o que, matematicamente, não contribui para a vitória, uma vez que a vitória é
definida, matemática e logicamente, pelo superior número de golos marcados
relativamente à equipa adversária. Portanto, como não são, estatisticamente,
contabilizadas as defesas que um guarda-redes faz, com exceção às grandes
penalidades, apenas os golos sofridos, podemos concluir que este jogador é,
matematicamente, um elemento negativo na equipa… bem, se o seu percurso for
imaculado, com zero golos sofridos, poderá orgulhosamente considerar-se um
elemento nulo na equipa! O referido argumento também sustentava a iluminada
tese que defendia que um guarda-redes nunca poderia ser considerado o melhor
jogador da equipa! A questão coloca-se agora: é o guarda-redes parte da
equipa?! Infelizmente tenho assistido a algumas atitudes em que o guarda-redes
é retirado, eliminado ou omitido do conjunto, como não fazendo parte do jogo,
da estratégia, do grupo. Felizmente esta postura não é partilhada pelos atuais
treinadores nem pela equipa que está a jogar.
Entretanto o jogo continua a
decorrer, em grande velocidade e com empenho de ambas as equipas. A bola não
pára, vai percorrendo o campo em variações de direção constantes, passando de
jogador em jogador em avanços e recuos que por vezes, ó sacrilégio, são feitos
estrategicamente para o guarda-redes que redistribui o jogo. Voltam ao ataque,
a bola avança no meio campo adversário, é intersetada e muda de direção, é
tempo de defender. No contra-ataque da equipa adversária o defesa, eficaz,
interceta a bola, chutando-a para longe da sua área, para longe de perigo. Nova
disputa de bola, com mudanças de direção constantes, fintas, passes e algumas
faltas. Todos querem ganhar, todos querem marcar golo. O golo é o momento do
jogo.
Apito de final de jogo. O golo
marcado com o nulo sofrido deu-nos o saldo positivo de 1 golo, por isso
ganhámos, é matemático! Mas futebol não é matemática, nem geometria, nem física,
futebol é para além disso. Futebol é o espetáculo que aqueles miúdos nos proporcionam
no decorrer dos 70 minutos, independentemente do resultado. Futebol é o passe
certeiro, o corte oportuno, a finta que atordoa, o duelo ganho, a defesa
magistral, o golo fantástico! É a sua paixão, a sua arte, o seu esforço, o
respeito pelo adversário, os abraços encharcados em suor e chuva, de alegria ou
de consolo, no fim do jogo.
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