Era uma vez um relojoeiro. O
relojoeiro passava todos os seus dias a cuidar dos relógios. Limpava, afinava,
acertava e reparava os relógios, com muito cuidado e precisão. Eram muitos e
variados os relógios que lhe ocupavam os dias, relógios de pulso, relógios de
bolso, relógios de parede, relógios de pé alto… A todos dedicava a sua atenção
e de todos conhecia com rigor os seus mecanismos. O relojoeiro era mestre no
seu ofício, e de todo o país acorriam pessoas que confiavam nas suas hábeis mãos
para que os seus estimados relógios voltassem a marcar o tempo, com o ritmo que
é suposto o tempo ter. E ele abria, limpava, afinava, acertava e reparava os
relógios, devolvendo o ritmo ao tempo. Por vezes era necessário reconstruir
peças e com a segurança, minúcia e destreza das suas mãos recriava dentes de
rodas, partes de tambores, âncoras, balanços e espirais. E devolvia o ritmo ao
tempo.
De tanto viver entre relógios e
peças de relógio, pois à sua volta abundavam caixinhas e compartimentos de
madeira com milhares de minúsculos parafusos, rodas dentadas, espirais,
tambores de corda, molas, âncoras, balanços, reguladores e toda a espécie de ponteiros
e mostradores, um dia o relojoeiro deu por si transformado num relógio. Um
lindo e valioso relógio de bolso. A sua caixa era preciosamente construída em
ouro para que o tempo, ao avançar, não a corrompesse. A tampa, sobre o
mostrador, continha uma complexa pintura representando toda a sua vida, para
que o tempo, com o seu ritmo certo, a fosse decorando, conhecendo os seus
lugares, as suas gentes, os seus amores e desamores.
O relojoeiro transformado em
relógio foi carinhosamente levado para casa pela sua família. Já não arranjaria
mais relógios, era agora ele o relógio a cuidar, a limpar, a afinar, a acertar
e a reparar. E lá foi marcando o tempo, ao ritmo do seu tempo. E o tempo foi
ficando mais lento, o seu ritmo irregular. A família com cuidado pegou nele e
na medida do seu conhecimento e capacidade foi limpando, afinando, acertando e
reparando para que o tempo não deixasse de avançar na cadência dos ponteiros.
Passaram-se meses. À medida que os ponteiros iam girando, a um ritmo cada vez
mais lento, o tempo ia decorando e absorvendo toda a pintura da tampa que, de
tão esbatida estava, já mal se distinguiam os traços, as linhas ou as cores.
Um dia os ponteiros pararam de
girar e a tampa sobre o mostrador deixou de representar qualquer pintura,
apenas brilhava o ouro polido, sem mais cores, sem linhas, sem traços. A
pintura da sua vida tinha sido completamente decorada e absorvida pelo tempo. E
então, quando parecia que o relojoeiro transformado em relógio tinha parado
naquele tempo, no seu tempo, a família percebeu que do seu mostrador
libertavam-se as cores, as linhas e os traços que haviam formado a pintura da
sua vida. E essas cores, essas linhas e esses traços transformaram-se em novo
tempo, no tempo que faz girar os ponteiros da vida daqueles representados por
essas mesmas cores, linhas e traços.
Maravilha de texto... Obrigada, Família Leal! Beijinhos.
ResponderEliminarMuito obrigada. Beijinhos.
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