O Ginásio




Esta semana abriu um novo ginásio na minha área de residência. Um último piso envidraçado com vista privilegiada para os quatro pontos cardeais. O interior é espetacular, com uma arquitetura e design inspiradores, com frases motivacionais espalhadas pelas paredes e chão, bonito, elegante e dinâmico, transmite tanta energia que acredito que apenas entrando lá devo queimar umas quantas calorias.

Com o objetivo de aumentar a intensidade e frequência de exercício físico na minha rotina semanal e com a remota esperança de ficar com uma barriga igual à da rapariga do cartaz que anuncia o ginásio, muito remota mesmo já que a barriga da fotografia é sequinha e sem estrias adquiridas nas gravidezes, inscrevi-me orgulhosa, cheia de entusiasmo e vontade de começar.

Ainda antes da sua inauguração o ginásio promoveu demonstrações de algumas modalidades. Demonstrações anunciavam eles, mas aquilo foram aulas à séria, à bruta, sem dó nem piedade nem contemplações pelo grau de inexperiência dos ingénuos alunos – eu. Se na aula de mix dance andei aos papeis, rodando para a esquerda quando devia rodar à direita, cruzando a perna esquerda atrás da direita formando um X quando o suposto era fazer um V, ou um Z, eventualmente um W, sapateando quando o que se pretendia era um simples e elegante passo de samba, nada que não se resolva com mais duas ou três aulas, já para a aula de cycling fui armada em campeã, afinal não era a primeira nem a segunda vez que andava de bicicleta e com aulas de fitness  duas vezes por semana há nove meses havia de me aguentar a dar o máximo…até ao momento em que desse o “tilt”! Com a aula de balance encontrei o equilíbrio e a certeza que a inscrição no novo ginásio me proporcionará muita felicidade. O certo é que, para além do prazer que me proporcionaram, estas aulas iniciais operaram em mim uma instantânea mudança radical, que o diga quem nos dias seguintes à aula de cycling observou o meu andar!

A minha relação com o desporto nunca chegou a ter contornos de verdadeira seriedade, mas sempre foi de alguma proximidade e cumplicidade. Começou quando eu tinha 2 ou 3 anos e andei em aulas de ginástica no melhor clube de Portugal (!). Dessa altura apenas recordo aquilo que uma fotografia tirada no sarau me sugere: eu descalça, com uma saia muito mini que faria corar a Mary Quant e uma camisolita às riscas, empurrando um carrinho de mão vazio. Sim, a sério, um carrinho de mão. Penso que desde essa altura muito mudou na ginástica em Portugal.

Na primária andei no ballet, mas, apesar do esforço, do treino e de muita insistência, a minha congénita falta de flexibilidade nunca me permitiu o triunfo de conseguir fazer a espargata no ângulo perfeito de 180.º, pelo que ao fim de um ou dois anos desisti do ballet e fui para a natação, o suficiente para conseguir dar umas braçadas no mar, nas férias de verão, sem me afogar. Participei numa competição, e não devo ter ficado muito mal classificada, mas andar a fazer piscinas não era o que mais me fascinava na altura, e no fim da 4.ª classe, desisti. Enquanto miúda sempre me diverti muito e amiúde a andar de bicicleta, de patins e a jogar à bola na rua com os meus vizinhos e irmãos, no tempo em que ainda se podia jogar à bola em algumas estradas de Lisboa, tão escasso era o trânsito.

No liceu passava todos os intervalos a jogar ao “mata” ou a jogar andebol. Apesar da adaptação das regras ao nosso capricho e da falta de orientação especializada, havia a prática diária de atividade física e o meu corpinho Ucal, na altura ainda não existiam outras marcar de iogurtes, bem o demonstrava. No 12.º ano finalmente, com toda a folga de tempo que as 3 disciplinas proporcionavam (bons tempos esses do 12.º ano com apenas 3 disciplinas!), levei o desporto mais a sério e inscrevi-me no CDUL, na modalidade de andebol. Fui federada e joguei no campeonato distrital contra equipas como o Benfica e o Paço de Arcos, ou seria o Oeiras? Mas, como por alguma razão, que agora conheço, o desporto sempre fugiu de mim, ao fim de um ano o CDUL encerrou a secção de andebol feminino.

Na altura de escolher a área de ensino, do 9.º para o 10ª ano, estive mesmo para seguir desporto, como aliás os testes psicotécnicos recomendavam, mas fria e racionalmente decidi que o melhor seria seguir arquitetura, com o argumento que, se seguisse desporto, nunca faria arquitetura, mas seguindo arquitetura poderia continuar a praticar desporto. Assim que entrei na faculdade de arquitetura deixei de praticar desporto!

Quando acabei o curso, das primeiras coisas que fiz, provavelmente mesmo antes de começar a enviar CVs, foi inscrever-me numa piscina e voltar a ter aulas de natação, para adultos. É com orgulho que afirmo que ao fim de poucos meses já conseguia nadar os 4 estilos quase na perfeição e tinha finalmente aprendido a respirar! Como após um ano de ter terminado o curso e ter retomado aulas de natação consegui emprego longe de Lisboa, mais uma vez tive de abandonar a modalidade.

No início da minha vida adulta e profissional, fora de Lisboa, numa altura em que apenas nos grandes centros urbanos existiam ginásios e em que os atuais instrutores ainda usavam fralda, a oferta da prática desportiva para adultos resumia-se a aulas de ginástica que não eram mais que aulas de manutenção que quase nem me faziam transpirar. Entre as tais aulas de manutenção e alguns passeios de bicicleta, com maior ou menor grau de dureza e dificuldade, fui fazendo cada vez menos desporto. Nova mudança de emprego e de residência, o nascimento do filho, passados três anos o nascimento da filha, tudo foram motivos, ou desculpas, para serem cada vez mais esporádicas as atividades físicas. Ainda assim, nestes últimos 20 anos, muito mudou na oferta da prática desportiva para adultos e como sou uma rapariga sempre pronta a novos desafios, andei num ginásio, fiz hidroginástica, beneficiei do regime livre das piscinas para nadar enquanto a minha filha tinha aulas de natação sincronizada e andei assiduamente nas aulas de fitness que muito prazer me deram.

Mas agora tudo vai ser diferente, agora é que vai ser! E vai ser para a vida, nem que seja pela razão de a minha inscrição no novo ginásio estar associada a um desconto vitalício. Já me estou a imaginar daqui a vinte anos, quase com 70 anos (credo, isto dito assim até assusta!), com um corpinho magro e seco, a dar um bailinho de força, resistência e coordenação motora às miúdas de 20 anos que se inscrevam no ginásio pela primeira vez!

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