TreUze joAlhos vermAlhos


“Agora que andam os dois no liceu…” – Não é liceu, é escola! Corrige-me prontamente o meu filho com aquele olhar de desdém que um aprendiz de jovem, com 14 anos, consegue fazer como ninguém. – Aqui diz-se escola, escola secundária. Liceu é em Lisboa! Não me bastava o rapaz, nascido e criado na zona de Coimbra, andar sempre a corrigir-me a pronúncia, porque não é treUze que se diz, é trEze, não é joAlho nem é espAlho mas joElho e espElho, agora também já me corrige o vocabulário!

Quando deixei Lisboa e vim morar para a Beira deparei-me com uma infinidade de vocábulos desconhecidos e outros que não sendo de todo desconhecidos não eram aplicados da mesma forma nem às mesmas coisas. Deixei de contar e de me importar com as vezes que me corrigiram a forma de pronunciar as palavras e evitei pagar com a mesma moeda resistindo ao impulso de apontar que dizer vou ai’aula não difere muito de dizer treuze!

Após mais de 20 anos a viver na Beira acabei por adotar alguns vocábulos que passaram a fazer parte do meu léxico diário, no entanto continuei fiel a outros tantos tipicamente alfacinhas. Por questões profissionais deixei de dizer encarnado e adotei plenamente o vermelho ao ponto de estranhar quando algum gabinete de arquitetura, cuja origem é automaticamente exposta, faz referência aos amarelos e encarnados. É claro que o meu vermelho soa muito a vermAlho…

Passei a pedir um café em vez de uma bica, mas continuo a pedir um pastel de nata e um pastel de bacalhau, faz-me cócegas referir-me a estas maravilhas gastronómicas como uma nata e um bolo de bacalhau. No entanto jamais pedirei um bico…não sendo carcaça uma palavra agradavelmente alternativa, opto sempre por pedir simplesmente um pão, eventualmente um papo-seco.

Ainda não consegui perceber exatamente a que enchido chamam chouriça uma vez que também usam as palavras chouriço, morcela e linguiça. Por estas bandas usam uma palavra algo engraçada para dizer moela: morçó! Mas um prato de moelas continua a ser um prato de moelas. Foi preciso vir para a zona da chanfana para conhecer a palavra caçoila, mas se a chanfana for boa, o que interessa se vem numa caçoila, caçarola, púcaro ou num simples tacho de barro? Uma frigideira é uma sertã e as migas, bem, as migas são deliciosas mas bem diferentes das migas alentejanas.

Continuo a dizer ténis, apesar de ocasionalmente já me referir aos ditos sapatos desportivos como sapatilhas mas foi com enorme estranheza e gozo que li na lista de material para a disciplina de educação física do meu filho que constava sabrinas. Sabrinas? Mas sabrinas não são aqueles sapatinhos rasos que as senhoras/raparigas usam? Quando muito poderiam ser os sapatinhos de ballet, mas será que iriam aprender ballet em educação física? Descobri que chamam sabrinas precisamente ao calçado a que chamo sapatinhas, sapatilhas de ginástica!


A língua portuguesa é riquíssima e é curioso como num país tão pequeno cabem tantas palavras para denominar a mesma coisa, seja gorro, garruço ou carapuço, chucha ou chupeta, franja ou melena. Estes pequenos exemplos e curiosidades têm apenas a distância territorial de 200km, bem interessante seria a experiência de ir viver para o Alentejo, Algarve, Minho ou Trás-os-Montes...para não falar das ilhas!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Chá, café...ou um copo de vinho tinto

  Ouvi o silvo da chaleira ao lume, a água fervia, o chá ficaria pronto num instante… Mas não tenho por costume fazer chá, nem oferecer ch...