Deliciosas palavras


Os frascos de vidro alinhavam-se ordeiramente na bancada, prontos a receber a compota de morango que ainda fervilhava na panela. O doce aroma da fruta cozida em calda de açúcar insinuou-se por toda a casa… Não, não aconteceu nada disto, infelizmente, mas queria tanto escrever algo com a palavra compota!

Na língua portuguesa, como em todas as outras, suponho, há palavras lindas, poderosas, palavras que enchem a boca, palavras que só de serem invocadas espicaçam os nossos sentidos. Compota é uma delas! Infelizmente generalizou-se a denominação de doce e a palavra compota ficou esquecida, em desuso, perdida nos livros de culinária das nossas avós, carinhosamente escritos com uma caligrafia perfeita e redondinha. Perante a frase “…Um fraco de doce de ameixa” não tenho nenhuma reação que mereça referência, apenas penso num frasco, com doce de ameixa! Por outro lado, se a frase for “ …Um frasco de compota de ameixa”, humm, que sonoridade, “compota de ameixa”, as palavras derretem-se na boca na perspetiva da polpa da fruta fundida no açúcar, várias mensagens são de imediato enviadas ao cérebro que recria no imaginário o processo de fabrico da própria compota: a fruta cortada em pequenos pedaços depositados dentro de uma grande panela, o açúcar a cobrir a fruta, tornando-se líquido numa calda divinal que borbulha, borbulha fervendo de calor e de prazer, libertando durante horas um aroma doce inconfundível que se entranha no espaço e no corpo. Os sentidos reagem, sentimos o odor da fruta em ebulição com o açúcar, sentimos-lhe o sabor, sentimos saudades de uma recordação perdida, de infância. Perante “compota de ameixa” o cérebro é ativado num processo criativo e imaginativo que se demora e deleita com a imagem do doce (sim, do doce) sobre uma torrada ainda a fumegar num contraste de texturas, temperaturas e sabores, a imagem de uma tarte recheada com a compota a arrefecer num qualquer parapeito de janela…

Há palavras que têm uma sonoridade tão ondulante que ao serem pronunciadas provocam um enrolar da língua que chega a ser sensual. Caramelo é uma delas. Se aliada à sensualidade da sua sonoridade for associada uma sensação de prazer, refiro-me a “caramelo”, estamos perante mais uma das maravilhosamente ricas e belas palavras da nossa língua. E quem diz caramelo diz rebuçado. Se bem que rebuçado insinua-se menos que caramelo, é mais agressivo, mais direto nas suas intenções, é para dar prazer, sem insinuações e sem contemplações. Caramelo pode referir-se a um estado líquido, cremoso escorrendo, sólido macio a derreter-se na boca ou sólido e duro à espera de ser trincado. A palavra caramelo sugere variados conceitos, texturas e estados, sugere sensações deliciosamente insinuantes.


Para cobrir e enfeitar os bolos de aniversário dos meus filhos sempre fiz uma mistura de chocolate derretido com um pouco de manteiga e natas: cobertura de chocolate! “Cobertura de chocolate” é também daqueles conjuntos de palavras que soam muito bem…e sabem ainda melhor. São palavras quentes e deliciosas. Cobertura transmite-nos conforto, segurança e chocolate…bem chocolate evoca-nos o céu! Mas parece afinal que a “minha” cobertura de chocolate tem o pomposo mas estéril nome de ganache de chocolate. Ganache nem sequer é uma palavra portuguesa. A questão é que ganache é o nome dado ao preparado que tanto serve para cobertura como para recheio. Ok, então poupa-se uma palavra mas perde-se tanto em sonoridade, em sensualidade, em prazer, em sensações. Uma vez que, conforme significado da palavra, cobertura de chocolate não se possa referir à mesma substancia utilizada em recheios, tenho como sugestão a inclusão de uma nova palavra no dicionário português: chocolatura! “ Vou fazer uma chocolatura para cobrir e rechear o bolo de aniversário do meu filho”. Chocolatura, Heis uma nova deliciosa palavra!

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