Não me canso de ouvir esta
música, é linda, poderosa, profunda, eleva-me a outra dimensão. Quando a oiço sinto
que ela se apodera de mim. Chega suave, de mansinho, aos ouvidos e depois,
sofregamente, entra pela boca, pelo nariz, com a respiração, e desce,
infiltra-se até ao mais profundo de mim. Revolve-me numa procura de algo que
ainda não encontrei, de algo que se solte cá de dentro, cá bem do fundo.
Revolve-me e preenche-me. Inspiro e expiro com mais dificuldade – todo o espaço
concebido para ser destinado às trocas gasosas está preenchido pela música.
Esta música é maravilhosa mas deixa-me exausta pelo esforço em respirar
normalmente. Gosto de ouvir esta música e voltar a ouvir, uma e outra vez, com
a repetição o esforço em respirar suaviza-se transformando-se em relaxamento,
em descontração, em paz.
Há músicas que têm a capacidade
de me alterar os sentidos, os sistemas corporais, o metabolismo, o estado de
espírito. Há musicas que me emocionam, outras que me dão energia, ou nostalgia,
há as que me alegram e as que me entristecem, as que me envolvem em sedução e
as que me libertam em ritmos orgânicos, mais ou menos elegantes, mas sempre
impulsionados pelas notas musicais. E há músicas que me causam repulsa.
Quando era adolescente passava
horas sozinha, deitada no quarto a ouvir música, às escuras. Nada mais havia
que me perturbasse, nenhuma luz, movimento ou imagem, era só eu e a música.
Entrava num estado de quase hibernação, de relaxe total. Um dia de tão
relaxada, tão descontraída, tão fora do meu corpo, quase a levitar, o coração
pára, falha 1 ou 2 batimentos, 1 ou 2 segundos sem bater, o suficiente para me
aperceber e me assustar. O susto fez-me sair do estado de graça em que me
encontrava e fez o coração voltar a bater. Impressionou-me essa propriedade da
música de me elevar a um estado de relaxamento tal que provoca a pausa
cardíaca… é claro que o bloqueio cardíaco também terá tido alguma
responsabilidade, mas as questões fisiológicas da anatomia humana são
irrelevantes quando se trata de algo tão etéreo como a música.
O meu professor de fitness escolhe de forma sublime as
músicas que acompanham os exercícios. Por vezes, quase no fim da aula, já de
rastos e completamente exausta dou por mim como que ressuscitada, com uma
energia vibrante, a pular, rodopiar e a movimentar-me ao ritmo da música, daquelas
músicas com tanta pedalada que a sua potência se apodera do nosso corpo e nos
faz mexer, dançar, pular. Por muito exausta que esteja há músicas a que é
impossível não responder com movimento, com ritmo. Músicas que nos renovam e
revigoram, como se a energia do nosso corpo se alimentasse de som! Se pudesse
ser assim tão simples, se nos pudéssemos alimentar apenas de música…
A música é das artes que mais me
surpreende, que mais me fascina e que mais admiro, talvez pelo facto de ser uma
arte relativamente à qual sou completamente ignorante. Sou dura de ouvido, não
tenho voz para cantar e não toco nenhum instrumento musical, para além de não
me conseguir recordar de nada do que aprendi nas aulas de educação musical.
Instruí os meus filhos que até ao 9º ano os poderia ajudar a qualquer das
disciplinas escolares, das línguas às ciências, passando pela educação
visual...a qualquer disciplina com exceção de educação musical! Admiro a
pintura, o desenho e a escultura, dá-me um enorme prazer contemplar, mas a cima
de tudo viver a arquitetura (…se a pudéssemos viver sempre no nosso dia a dia!),
adoro a dança, o teatro, o cinema. Mas estas são artes que eu compreendo,
conheço a sua essência, que de algum modo me estão ao alcance de executar. A
música não, eu seria incapaz de agrupar sons, notas, ritmos ao longo de um
tempo e formar uma música, uma música que fosse minimamente digna de ser considerada
arte, uma música que conseguisse despertar algum sentimento e sensação que não
fosse o de repulsa e sofrimento, que não fosse apenas ruído. Admiro como se
conseguem agregar todos os ingredientes que compõem uma música e ser original, criar
sons e ritmos tão diferentes, que nos consigam elevar a estados que sem o
transporte musical dificilmente conseguiríamos atingir.
Mudou a música e oiço agora uma
que me transporta para o passado, para momentos vividos, para boas
recordações…vou-me deixar levar e com esta banda sonoro reviver um dos melhores
filmes da minha vida.
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