A bola rolava a grande velocidade,
no piso de relva sintética, quando foi intersetada pelo adversário. No seu meio
campo o perigo era eminente e o pontapé forte, certeiro e inesperado apanhou
todos de surpresa. Já a claque adversária, constituída pelos pais e irmãos mais
novos dos jovens jogadores, gritava golo quando no último segundo aquela mão
bem esticada, num voo firme, desvia a bola e nega o empate à equipa contrária. A
sua concentração, capacidade de reação, treino e preparação física permitiram
que, ao ver a bola partir do pé do jogador adversário, se lançasse num voo até
ao canto superior da baliza e no último instante desviasse a bola da rota de
golo, contra todas as expectativas. A alegria e orgulho estampados no seu rosto
contrastam com o olhar de frustração do jovem jogador que desferiu o golpe
quase fatal. A sua equipa mantém-se em vantagem no marcador e a probabilidade
de ganharem o jogo é cada vez mais forte.
Apesar da alegria permanece
atento e concentrado, ele sabe que basta um deslize seu para deitar tudo a
perder. Não vão interessar as bolas falhadas pelos colegas, os golos que não
foram marcados pela sua equipa, se falhar será o responsável pelo empate ou
pela derrota…será responsabilizado e criticado pela sua prestação, apesar da
defesa incrível que protagonizou. Ele sabe que é naturalmente assim. Sente-se
valorizado, apoiado e acarinhado pela equipa, pelos pais e pelos treinadores
mas tem consciência que a sua posição em campo é a mais ingrata.
Faz parte de um coletivo mas é na
diferença que se destaca. A diferença no equipamento, na forma de jogar, do
direito exclusivo de tocar a bola com a mão, a diversidade de treino e o
privilégio de ter 2 treinadores! Mas mais do que as distinções físicas e
imediatamente identificáveis, é na diferença psicológica que se deve superar. O
ser diferente numa equipa de iguais e a responsabilidade, nem sempre
partilhada, de ser guardião do bem mais preciso que se pretende inviolado,
acresce, à adrenalina própria da competição, a carga psicológica de não poder
falhar.
Defende uma equipa mas, em caso
de superioridade da mesma, sentirá a solidão em campo, por isso sobe,
aproxima-se dos colegas, da bola, do jogo e do meio-campo, para arrepio de
algum público. Por essa razão deseja sempre que a equipa adversária seja forte,
que lhe dê ação, que o inclua no jogo, que não o deixe só, no campo. Pertence a
uma equipa mas treina apartado, com treinador e exercícios próprios. Sente-se
especial, privilegiado: tem um domínio em campo que mais ninguém tem, tem
poderes em campo que mais ninguém tem, mas tem também o peso da responsabilidade
que mais ninguém tem.
Sempre que entra em campo sabe
que tem de estar preparado, como qualquer um tem, mas mais do que qualquer um
tem de ser veloz, forte, ágil, certeiro, decidido, concentrado, destemido e
líder. Mesmo não sendo capitão tem de ser sempre comandante.
A bola continua a rolar na sua
área, o defesa desvia a trajetória da bola, sai de campo e é marcado pontapé de
canto para a equipa adversária. Um jovem posiciona-se no canto do campo, compõe
a bola junto às marcações e chuta-a com força e em jeito, fazendo um arco
direto à baliza. Com uma energia impulsionadora tremenda, salta mais alto que
qualquer outro dos jogadores e soca a bola para longe. Os seus punhos fechados
e protegidos pelas luvas socam a bola com a mesma força, determinação e raiva
com que um pugilista soca o seu opositor, defendendo a sua honra, o seu sonho e
a sua vitória.
O árbitro apita, finalmente,
termina o jogo. Hoje cumpriu o seu objetivo, o objetivo da sua equipa. Defendeu
bem a baliza, mas mais do que a baliza, defendeu o sonho da equipa, o sonho de
vitória.
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