Enquanto aguardava que terminasse
o treino do meu filho ouvi, entre conversas de crianças, uma menina de 5 anos
dizer que queria ser um livro. Não sei se a ideia de ser um livro foi fruto da
sua imaginação e vontade ou se olhou para mim e, vendo-me a ler o maravilhoso
“Os loucos da rua Mazur”, surgiu-lhe essa ideia.
Talvez tenha sido seduzida pelo
meu sorriso e expressão de prazer ao ler os primeiros capítulos, ou, quem sabe,
pela maneira como pouso com carinho o livro sobre as pernas e o seguro com
ambas as mãos, inclinando-o suavemente. Talvez ao olhar para mim tenha sentido
o desejo de ser valorizada, acarinhada e protegida como um livro, o certo é que
uns instantes depois aninhou-se no colo de seu pai e aí procurou, e encontrou, amparo
e carinho.
Quem sabe tenha reparado que
enquanto a mão esquerda segura o livro com firmeza a mão direita vai
percorrendo o livro em carícias lentas, página a página, passando uma após
outra, no decorrer da história. Também no colo do seu pai sentiu o enlace firme
e protetor de um braço enquanto a mão livre lhe afagava docemente os cabelos
rebeldes.
Ou talvez a ideia tenha surgido
da sua própria experiência de dias a folhear livros, a deliciar-se com as
coloridas e sugestivas ilustrações, a inventar histórias e a tentar perceber o
sentido das letras impressas nas páginas grossas, de histórias ouvidas à
meia-luz, pela voz plácida e açucarada de sua mãe em inícios de noite, aconchegada
entre lençóis.
Terá sido por saber que num livro
cabem muitas histórias, aventuras, mundos e personagens, cabe conhecimento e
distração, cabe arte e cabe ciência, cabe toda a nossa imaginação? Terá sido a
possibilidade de ser tudo isso que a fez querer ser um livro?
Porque na inocência dos seus 5
anos tem já o conhecimento de que num livro tudo é possível. Um livro abre-se
em páginas e páginas de infindas possibilidades, de histórias para serem
contadas, assim como a extraordinária perspetiva que tem do seu futuro, anos e
anos de enredos possíveis, de histórias para serem vividas.
Haverá algo mais belo do que a
grandiosidade de uma criança de 5 anos querer ser um livro? A expetativa, o
sonho, a alegria e a determinação de viver desta menina apresentam-se com a
forma ilimitada de um livro. Quantos de nós já fechámos livros, muitas vezes
por escrever, e os arrumámos numa qualquer prateleira da vida?
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