Deixei-me perder na teia labiríntica de ruas estreitas empedradas. As vielas pedonais, estreitas e sinuosas, delimitadas por construções caiadas, de 2 e 3 pisos, protegem-me do sol que sobe escaldante. O branco da cal contrasta com o azul do céu, das portas, portadas, janelas e varandins e com o colorido das roupas de verão dos transeuntes. Três crianças descem a rua a correr, descalças, atrás de uma bola, riem e gritam numa língua que não entendo. Na soleira de uma porta uma idosa de lenço na cabeça observa quem passa. Mais adiante há grande animação em torno de um jogo de gamão, o tabuleiro de madeira, numa mesinha instalada à porta de um pequeno comércio, evidencia a estratégia ponderada e sábia do jogador mais velho. Antes de chegar ao último lanço de escadas, que vencem o declive mais acentuado da zona alta da cidade, cruzo-me com um homem que distraidamente passa as contas de um kombolói entre os dedos, indiferente a quem passa. No cimo das escadas vislumbro o moinho e reencontro o caminho que me levará ao meu pequeno paraíso.
Ele já me espera. De costas, com
as mãos apoiadas no parapeito do terraço não me sente chegar, absorto que está
a observar o movimento de embarcações que navegam no mar Egeu. Paro por
instantes a observá-lo. A visão da pele macia, morena tisnada pelo sol, do
tronco musculado, faz-me sorrir recordando o prazer do seu contacto. Num
passado longínquo teria sido atleta, recordado em vazos pintados e imortalizado
em esculturas e em moedas pela glória alcançada nos jogos Pan-Helénicos. Junto-me
a ele. Não me canso daquela vista: aos nossos pés a cidade escorre para o mar,
abraçando-o. A quadrícula de terraços brancos, em patamares, é pontualmente
sarapintada por cúpulas vermelhas, ocasionalmente azuis. Sinto-me envolvida pela
vastidão do mar, de um azul puríssimo, tranquilizador.
Recostados no terraço, protegidos
do sol e do calor por uma videira entrançada numa pérgula, com a vista
deslumbrante como cenário, iniciamos a primeira refeição do dia, já o dia vai a
meio. Não temos pressa, o dia acontece à medida da nossa vontade. As horas
param em eternidades de contemplação e correm em momentos de prazer. O tempo
fica suspenso pelo nosso desejo, sem rotinas, sem compromissos. Saboreio as
azeitonas temperadas com orégãos e azeite onde acabo por embeber um pedaço de pão.
A salada de tomate e queijo (dispensei o pepino) refresca o paladar antes de
terminar com o delicioso folhado de queijo de cabra e ovelha. Dionísio foi
generoso, o vinho escolhido é delicioso.
Descemos ao centro da cidade,
passeamos tranquilamente pelas ruas animadas de comércio e de turistas,
distraímo-nos com as embarcações, de pesca e de recreio, contornamos a cidade
para sul, passando pelos moinhos, até chegar a uma pequena praia. Deixo-me
envolver pelas águas cálidas, límpidas e serenas. Novamente o tempo pára, num
momento que gostaria pudesse ser eterno. Poseidon foi extraordinário,
oferecendo-nos este mar de um azul tão profundo que nos enche a alma.
Também Apolo foi magnânimo,
nascido na vizinha ilha de Delos, brindou-nos com este maravilhoso sol que
torna o branco e o azul tão intensamente contrastantes. Em jeito de homenagem visitamos
o seu santuário. As ruínas do passado chegaram até nós como testemunhas de uma
cultura de uma riqueza enorme, muito para além da arquitetura e da arte. O seu
legado é tão abrangente e extenso que referir o desporto, a política,
filosofia, matemática, medicina, astronomia, arquitetura e escultura não faz
justiça à sua verdadeira dimensão.
Adormecemos tarde, plenos,
cansados mas reconfortados pela beleza, pelo prazer, pela vida, por este pedaço
de terra, por este mar e este céu…pelo tempo que temos para usufruir de tudo
isto, pelo poder de Cronos de fazer o tempo parar quando mergulhamos no azul
profundo.
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