“Strawberries cherries and an angel's
kiss in spring; My summer wine is really made from all these things…”
canta Natalia Avelon no meu canal de música favorito. A sensualidade da música
seduz-me e a alusão a morangos, cerejas e vinho, tinto naturalmente, faz-me mergulhar
num torpor do qual não quero despertar. Levanto-me preguiçosamente, dirijo-me à
garrafeira e escolho um bom vinho tinto, alentejano. A rolha de cortiça sobe devagar,
a custo, querendo manter o seu prisioneiro só para si mais uns instantes e
manter a exclusividade de sentir prazer no seu aroma. Ploc, a rolha solta-se do
gargalo e liberta o aroma aveludado do vinho. Vagarosamente sirvo um copo de pé
alto com o líquido carmim.
Enquanto deixo o vinho repousar e abrir
todo o seu esplendor aromático, observo a rolha de cortiça, esventrada pela
espiral metálica. Felizmente o desenho impresso na sua superfície cilíndrica
ficou intacto, é lindo. Liberto-a com cuidado, não a quero danificar mais. Um
dia, com as suas irmãs e primas, será transformada numa base para velas. Outros
vinhos serão saboreados à luz bruxuleante de uma vela confortavelmente aninhada
entre rolhas de cortiça exibindo orgulhosamente os seus desenhos, marcas,
produtores e regiões. Talvez então se oiça fado…
Levo o copo aos lábios e saboreio
demoradamente. Na mesa ao meu lado estão dispostos alguns dos ingredientes a
usar: tomate, malaguetas e pimentos vermelhos. A cor aquece e dá vida ao
compartimento. Vermelho, cor do sangue e do fogo. Cor quente, temperamental e sensual.
Cor do amor, da paixão e da revolução. A luz do sol poente inunda agora a
divisão em tons escarlate. A luz tinge de vermelho os desenhos dos meus filhos,
expostos em local de destaque. Pinceladas vermelhas com figuras humanas,
animais, árvores e flores, riscos, pontos, sois e mãos dispostas na parede. Arte
rupestre como testemunha dos primórdios da sua existência.
A música continua a tocar, deixo-me
embalar pela melodia que me envolve e em movimentos ritmados percorro a
cozinha. A minha filha ri-se mas também ela adora dançar. Pego-lhe na mão e
juntas rodopiamos, agora a um ritmo mais rápido. Deixou-se levar por mim e pela
música, esqueceu a vergonha e dançou feliz, descalça, sentindo o ritmo no
corpo. A luz serena de fim de dia, os aromas que invadem o espaço e a
antecipação da deliciosa refeição em família deixam-nos num misto de
tranquilidade e euforia, de ócio e energia. Também a refeição terá a combinação
de sabores, adocicados, picantes, ácidos e salgados, realçados pelo contraste
de cores.
Inspirada pela ambiência decido que a salada
será hoje enriquecida com os grãos de uma romã. Abro a casca do fruto e com
delicadeza liberto os grãos de cor rubi da fina película que os envolve. A salada
vai sendo pintalgada com pequenas e brilhantes sementes cingidas por uma polpa
suculenta de rubis translúcidos.
O início da noite foi inspirador: a
música, a dança, a luz, os aromas, o vinho, os ingredientes, os tons de
vermelho, carmim, escarlate, rubi. Aguardo serenamente o desenrolar das ações e
sensações ao longo do serão, mas com a certeza que tudo me saberá ainda melhor se
tiver o prazer de saborear uma vitória do clube que joga de verde!
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